Chegou a hora da despedida. Não se preocupe, ela será breve. Não quero choro, não quero nem riso, suspiros muito menos. Quero só que prestem atenção no que vou falar. Quero apenas que prestem atenção no que sentem no peito, no que tem na mente. Cada um de vocês me representa em carne, osso e sangue. Cada um de vocês me carrega em sorrisos, lágrimas, dor, saudade, coragem, fracasso, luta, trabalho, desassossego, juventude, velhice. Somos uma massa de tempo, uma corrente que forma 365 dias sem permissão para trégua. Somos homens e mulheres caminhando sem parar, vivendo, morrendo, cumprindo a missão que a nós foi destinada.
Tantas coisas aconteceram não é mesmo? Acompanhamos preocupados e ao mesmo tempo cheios de esperança a chegada da vacina contra a covid 19, e uma cena se tornou símbolo de luta pela vida: braços estendidos à espera daquele líquido que aos poucos foi se espalhando pelas veias de pessoas de todas idades. Os abraços, toques, beijos ressurgiram tímidos, temerosos arrancando sorrisos, lágrimas, emoção! A saudade faz morada em muitos corações, tantas pessoas nos deixaram, a dor acalantada nos faz lembrar que é preciso continuar se cuidando e buscando tudo aquilo que possa proteger a vida!
Sentimos arder no rosto a vergonha de ver nosso país mesmo diante de uma pandemia, enlameado por corruptos, gente desonesta, torpe, que sem pena roubou milhões de nossa gente usando até mesmo a saúde como trampolim. Uns estão atrás das grades, outros continuam a debochar de seu povo.
Seguimos em frente diante de tantas perdas. Poetas, artistas, líderes – uns amados, outros odiados - nos deixaram. Faz parte, cumpriram sua missão.
E mais uma vez ficamos estarrecidos com a violência ferindo com lâmina fina nossa alma, corpo e mente. Sangramos diante do vício, do tráfico, do trânsito. Milhares perderam a vida encharcando de sangue a terra que nos alimenta. Doeu muito.
Dias passando, semanas voando, meses sendo deixados para trás. E a frase mais ouvida: “não vejo o tempo passar, quando se vê já é noite e tudo tem de recomeçar”. Verdade, foi assim mesmo. Nada parecia nos fazer parar, nos chamar atenção, seguíamos em frente num bom dia, boa tarde, boa noite, tudo bem, beleza, oi, olá, até breve... o tempo passando, mente absorta em mil tarefas e pensamentos. Empregos, desemprego, fome, solidariedade. Amores, paixões, enganos, desenganos, abraços, carinho, chuva, sol, lua iluminando a noite, espetáculos muitas vezes perdidos.
É preciso parar sim, é preciso viver os 365 dias que me dão de vida através de vocês senhores e senhoras.
Me despeço agora pedindo sim que me deixem partir. Deixem o 2021 partir, sem esquecer tudo que aconteceu dentro de mim. Faça, tome atitudes, lute para que nosso país não tenha que arder de vergonha por gente imoral como as que tivemos que conviver nos últimos meses. Levante o olhar por aqueles que partiram. Sejam amigos, parentes, colegas, artistas, lideres, que eles tenham paz. Não esqueçam de nada que aconteceu dentro de mim. Sou um ano velho, sim, estou partindo, mas levo comigo cargas, dores, alegrias, sonhos, esperanças. Encontro no caminho o novo ano e a ele darei cada palavra, cada gesto, cada ação de vocês, e só quem vai decidir como será o teu novo ano, o teu 2022 serão vocês, meus caros.
Silêncio! Estou partindo. Quero que fique apenas aquilo que é doce de lembrar. Desejo que o amargo seja afastado de suas bocas, de seus corações. Quero que esses microfones por onde determinei que minha voz ganhasse som nunca se desliguem, que eles sejam verdadeiros, honestos, e que ajudem o novo ano a transmitir em alto em bom som a essência do tempo, da verdade e do comprometimento com a vida.
Adeus, fiquem em paz e digam a partir de agora “seja bem-vindo 2022, venha sem pressa, porque queremos curtir cada um de seus 365 dias”.
Texto: Ieda Beltrão